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terça-feira, abril 15, 2025

Pneumonia Infantil em Manaus: O Preço da Fragilidade na Atenção Básica

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Por Érica Barbosa

A pneumonia é uma doença prevenível, tratável e, na maioria dos casos, evitável com ações simples de promoção da saúde. No entanto, em Manaus, ela segue sendo uma das maiores causas de hospitalizações e mortes entre crianças. Essa realidade dramática escancara não apenas os impactos da desigualdade social e ambiental, mas, sobretudo, o colapso silencioso da atenção básica, base de qualquer sistema de saúde eficiente. O caso de Manaus mostra como a Estratégia Saúde da Família (ESF), embora idealizada como um modelo revolucionário de cuidado, se transformou em uma estrutura enfraquecida, burocrática e distante da população mais vulnerável.

Quando tudo começou: a promessa da ESF
A Estratégia Saúde da Família foi implementada no Brasil em 1994, com a proposta de reorientar o modelo de atenção à saúde. Seu objetivo era claro: aproximar os serviços públicos da comunidade, com equipes multiprofissionais atuando nos territórios, promovendo educação em saúde, prevenção de doenças, acompanhamento contínuo das famílias e atendimento domiciliar. A lógica era simples e eficaz: atuar antes que a doença se instale, especialmente nas áreas de maior risco social.

Segundo o Ministério da Saúde, a cobertura ideal da ESF deve alcançar ao menos 70% da população total do município. Em cidades da região Norte, onde o acesso à saúde é limitado e os índices de vulnerabilidade são altos, essa cobertura deveria ser ainda mais ampla. No entanto, em Manaus, cidade com mais de 2,2 milhões de habitantes, a cobertura da Estratégia Saúde da Família gira em torno de 44%, segundo o último relatório do Departamento de Atenção Básica (DAB/SUS, 2023). Isso significa que mais da metade da população está fora do acompanhamento direto por equipes de saúde da família.

Dados que gritam: pneumonia e mortalidade infantil

Entre janeiro de 2024 e janeiro de 2025, Manaus registrou 4.413 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), com 1.796 associados a vírus respiratórios. Desses, 85 evoluíram para óbito, segundo dados da FVS-RCP. Crianças de 0 a 4 anos representaram mais de 33% dos casos registrados. Os números reforçam um cenário de emergência respiratória pediátrica.

Apesar de protocolos clínicos preverem formas eficazes de prevenção e tratamento como vacinação, aleitamento materno e controle ambiental, a ausência de ações contínuas por parte da atenção básica compromete qualquer avanço.

A falência silenciosa da atenção primária em Manaus

Em teoria, a ESF deveria ser o pilar da vigilância em saúde, realizando busca ativa de casos, orientações domiciliares e monitoramento de grupos de risco. Na prática, em bairros como Jorge Teixeira, Redenção, Colônia Antônio Aleixo e Compensa, a presença das equipes é esporádica e, muitas vezes, inoperante.

O resultado disso? Diagnósticos tardios, superlotação nas emergências, crianças chegando em estado grave às unidades de pronto atendimento, e famílias que não sabem sequer onde fica a unidade de referência do seu bairro.

Entre a chuva e o descaso: o impacto das condições ambientais

O período de chuvas intensas em Manaus, que se estende de janeiro a junho, agrava a situação. A combinação de alagamentos, esgoto a céu aberto, moradias precárias e ausência de ventilação adequada favorece a disseminação de vírus e bactérias. Ainda assim, ações preventivas de visitas domiciliares, controle ambiental e educação em saúde continuam sendo insuficientes ou inexistentes em boa parte da cidade.

A Fiocruz Amazônia tem alertado, há anos, sobre os impactos da exposição prolongada à poluição atmosférica, especialmente por queimadas urbanas e lixo acumulado, na saúde respiratória infantil. Esses fatores, associados à desnutrição e baixa cobertura vacinal, formam um terreno fértil para o avanço da pneumonia.

Conclusão: onde está o cuidado?

A pneumonia infantil em Manaus é, antes de tudo, um sintoma da falência de um modelo que deveria priorizar o cuidado contínuo, territorializado e comunitário. A Estratégia Saúde da Família nasceu com o compromisso de promover saúde, mas em Manaus vem sendo reduzida a uma engrenagem enferrujada de burocracias, falta de recursos e decisões administrativas fragmentadas.

Não basta apenas discutir reformas no SUS em abstrato. É urgente reconstruir a atenção básica com prioridade política, valorização profissional, investimento em infraestrutura e compromisso com a população.

O preço da negligência está sendo pago pelas crianças com febre alta, pulmões inflamados e, muitas vezes, sem ar.

Leia mais: Superávit para quem? O milagre diário do brasileiro diante da cesta básica e do custo de viver

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