No início da semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou não ter pressa para escolher um substituto que vai ocupar a cadeira deixada pela ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF) e, ainda, ressaltou que o critério de gênero não será levado em consideração. A fala repercutiu no cenário político e jurídico, uma vez que existia a expectativa para que o presidente indicasse uma mulher negra ao cargo.
Antes de ser submetido à cirurgia, o presidente informou à imprensa que vai escolher uma pessoa que possa “atender os interesses e as expectativas do Brasil”. Ele ainda ressaltou que, apesar de a ministra que deixou o cargo ser mulher, a vaga não deve ser ocupada por outra mulher, uma vez que não levará em consideração o gênero para escolher o novo ministro do Supremo.
“Eu vou escolher uma pessoa que possa atender os interesses e as expectativas do Brasil, uma pessoa que possa servir o Brasil, uma pessoa que tenha respeito com a sociedade brasileira, uma pessoa que tenha respeito, mas não medo da imprensa, uma pessoa que vota adequadamente sem precisar ficar votando pela imprensa. Então, vou escolher, já tem várias pessoas em mira. Não precisa perguntar essa questão de gênero e de cor, eu já passei por tudo isso e no momento certo vocês vão saber quem é que eu vou indicar”, disse o presidente.
Ao O Convergente, Karla Jamily Oliveira de Carvalho, advogada e integrante da Comissão da Mulher Advogada OAB/AM, pontuou que a fala de Lula reflete a tentativa do presidente em perpetuar os mesmos processos de escolhas para cargos de Poder.
“Sentimos nessa fala a tentativa de perpetuação das mesmas práticas nas escolhas de representantes, que não visam a equidade no resultado e não preconizam diversidade nas escolhas, abordando assuntos complexos sensíveis sem representatividade na narrativa”, disse.
Também ativista dos direitos humanos das mulheres e antirracista, ela destacou que a fala do presidente Lula vai ao contrário do que estabeleceu o Conselho Nacional de Justiça, no início do ano. Conforme explicou ela, o CNJ aprovou o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Equidade Racial, espaço permanente de debates e acompanhamento da questão racial no Poder Judiciário.
“Isso [aprovação do Fórum] devido à inexpressiva participação da população negra no Poder Judiciário, que atinge 8,8% de desembargadores, 12, 3% de juízes e juízas titulares e o maior percentual ocupados pelos negros são vagas de estagiários 33,9%, dados do levantamento do CNJ em 2021, números acima apesar da reserva de 20% das vagas destinadas à população negra”, expôs.
Posto isso, ela defende que a fala de Lula não condiz com o que o próprio Judiciário tem observado, no que diz respeito às questões raciais. “Momento em que o próprio Judiciário determina a observância das cotas, para que haja minimamente equidade e representatividade da maior parcela da população brasileira. Afinal, mulheres negras estão no topo dos marcadores de feminicídio, estupros e encarceramento, mas ainda nem preenchem as cotas raciais dos espaços de decisões. Ao lado do clamor e intimação social para que sejam respeitadas as bases de um Estado Democrático de Direito”, apontou.
Vale lembrar que, atualmente, o STF conta com a grande maioria de ministros homens. Com a saída de Rosa Weber, a ministra Cármen Lúcia passa a ser a única mulher na Corte. Para a advogada, com um ambiente cercado por homens, as juristas negras passam a sofrer com o maior impacto. “As próprias ministras do STF mencionam o machismo como um mal a ser enfrentado, imaginemos para as juristas negras que recebem esse impacto do machismo e do racismo estruturante de todas as esferas socias”, disse.
Além disso, a Corte da 1ª Turma do STF não possui nenhum negro, por essa razão, os movimentos pedem que Lula faça a indicação de uma mulher negra. “A expectativa da sociedade brasileira, dos movimentos negros e do CNJ continuam que seja uma jurista negra, mas a do Presidente seguiu a linha anterior política, frustrou, mas não encerrou uma luta histórica, desde os primeiros movimentos dos feminismos, ao contemporâneo feminismos negros!”, finalizou.
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Por Camila Duarte
Revisão textual: Vanessa Santos
Ilustração: Marcus Reis