Nos últimos dias, uma proposta de um vereador de Manaus tem levantado debates entre os cidadãos. O vereador Elissandro Bessa (SD) apresentou um Projeto de Lei – que altera artigos da Lei Orgânica de Manaus (Loman) – com o objetivo de reduzir a frota de ônibus na cidade.
A ideia do vereador é diminuir a renovação dos transportes coletivos e aumentar a vida útil dos ônibus. Como justificativa, o parlamentar apontou que o PL “visa acompanhar os avanços tecnológicos da indústria automobilística e também da malha viária da cidade, que estão proporcionando uma maior conservação e durabilidade dos veículos”.
O PL foi debatido nas últimas semanas, na Câmara Municipal de Manaus, inclusive criticado por outros vereadores. Na semana passada, Bessa usou a tribuna para apontar que a Prefeitura de Manaus e o Governo do Amazonas deveriam subsidiar táxis elétricos.
Em pesquisa feita no Portal da Câmara Municipal de Manaus, o texto original do PL nº 009/2023 propõe diminuir a renovação de 25% da frota de transporte coletivo para somente 10%. De acordo com o projeto do vereador, a justificativa para a redução se dá por conta da “regularidade da atual frota de veículos” que, segundo ele, estão garantindo mais segurança, conforto e atendimento para a população.
Além de reduzir a frota e aumentar a vida útil dos ônibus, Bessa apontou que a alteração também tem como objetivo “garantir a contínua manutenção de um preço justo da tarifa do sistema”. Em relação aos táxis elétricos, o vereador propôs a permissão de utilização de veículos mistos para uma “maior mobilidade e garantia” para que os passageiros possam transportar o maior número de bagagens.
Vale lembrar que o uso do ônibus como meio de transporte é apontado como sustentável, já que pode substituir até 40 carros nas vias, conforme apontam estudos realizados pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
O Portal O Convergente procurou o vereador Elissandro Bessa, por meio de assessoria, para questionar o projeto, no entanto, até a publicação desta matéria, não houve retorno. O espaço segue aberto para esclarecimentos.
Alternativas
Para o ambientalista Carlos Durigan, a redução na frota de ônibus em Manaus agravaria a crise de mobilidade urbana. Ao Portal O Convergente, ele explicou que os problemas devido à grande concentração de veículos incluem questões ambientais, sociais e econômicas.
“Quanto maior o número de veículos em circulação, maior o grau de poluentes no ar e nas vias, maior é o estresse causado às pessoas pela dificuldade de mobilidade e maiores são os gastos com locomoção quando as pessoas são obrigadas a investir em transporte individual. A conta é simples, quanto menor a disponibilidade de transporte coletivo, seja feito por ônibus e mesmo trens e metrôs, maiores os problemas listados acima”, explicou.
O ambientalista ainda comentou que uma proposta para reduzir os problemas é buscar alternativas, como a implantação de veículos elétricos, o que já começou a ser adotado em Manaus. Para tentar começar a transformar Manaus em uma cidade sustentável, a Prefeitura de Manaus entregou dezenas de ônibus elétricos. Porém, ele destacou que é necessário investir nesse ponto para adequar o transporte coletivo e não reduzir.
“Propostas de soluções desses problemas incluem a busca de alternativas menos poluentes como o transporte com bicicletas e veículos elétricos e, em especial, o aumento de disponibilidade de transporte coletivo adequado, e não sua redução. Manaus precisa ter sua capacidade de operar com transporte coletivo ampliada e não reduzida e, a meu ver, com o porte atual, demandaria inclusive o estabelecimento de transporte ferroviário mesmo, como metrô ou similar”, disse.
Raiz do problema
Ao Portal O Convergente, Manoel Paiva, vice-presidente do Instituto de Inteligência Socioambiental Estratégica da Amazônia e ex-diretor presidente do Instituto Municipal de Mobilidade Urbana (IMMU), explicou que a população ainda enfrenta problemas no transporte coletivo em Manaus, como insegurança do sistema, inconfiabilidade no modal, longo tempo de espera, lotação dos veículos, longo tempo de percurso, desconforto e tratamento comprometedor do operador.
No entanto, o especialista em mobilidade urbana destacou que o problema enfrentado pela população é enraizado na sociedade brasileira e tem diversos pontos. Um deles é a forma como funciona o financiamento para o sistema de transporte público.
“Quando o número de passageiros diminui, não há como manter o funcionamento do serviço. Como consequência, aumenta-se o valor da tarifa, para dar conta dos custos e lucros previstos nos contratos de concessão […]”, explicou.
O especialista ainda pontuou que outro problema enfrentado é o cálculo da remuneração das empresas concessionárias, quando as cidades realizam o cálculo sobre o número de passageiros transportados e não sobre o custo real da operação do sistema, o que reduz a frota e piora a qualidade do serviço.
“Os transportes coletivos municipais estão sucateados. É necessário melhorar a qualidade desse serviço por meio da criação de sistemas que incluam mais de um município, como acontece, por exemplo, com o SUS.”, disse.
Em relação à proposta do vereador Bessa, Paiva fez uma análise ao Portal O Convergente a partir de propostas de especialistas, técnicos do setor, academia, operadores públicos e privados, além de sugestões de usuários cativos de nosso sistema de transporte coletivo urbano de Manaus.
Conforme pontuou ele, o avanço tecnológico permite estender a vida útil do veículo, no entanto, as condições de trafegabilidade influenciam. Para ele, para poder chegar à conclusão de redução de renovação de frota, devem ser atendidas as pendências de infraestrutura.
Entre outros pontos como estabelecer uma política municipal de renovação e ampliação, buscar estudos sobre o desempenho operacional com o IMMU, entre outros. O especialista em mobilidade urbana ressaltou que “as pessoas são mais importantes que os sistemas/veículos, nossa mobilidade urbana deve ser e atender princípios de integração, inclusão e sustentabilidade”.
Subsídios
Com relação aos subsídios pagos pela Prefeitura de Manaus, a gestão municipal, atualmente, paga o valor de R$ 3,72 por passageiro. Caso não existisse o subsídio, a população precisaria pagar R$ 7,52 em apenas uma passagem de ônibus. Vale pontuar que houve um aumento de 18,42% na passagem de ônibus, que passou de R$ 3,80 para R$ 4,50 em Manaus.
De acordo com Paiva, o número de usuários de ônibus diminuiu. Atualmente, uma média de 9,5 milhões de pessoas andam de ônibus, por mês. Em 2016, por exemplo, o sistema de transporte público era usado por 15 milhões de passageiros, número equivalente ao mês. Em 2019, com a chegada de aplicativos de viagem, houve uma redução para 11,6 milhões.
Para o especialista, é necessário redobrar os esforços para reconquistar os passageiros em Manaus, solucionando os problemas os quais os usuários enfrentam todos os dias no sistema de transporte público.
“Temos que redobrar esforços, obter vontade política e implementar melhorias no Transporte Coletivo Urbano, priorizando a operação do sistema (Pistas e faixas exclusivas), reconquistando os antigos usuários, aumentando a velocidade comercial, diminuindo o tempo de viagem e espera do passageiro, racionalizando os custos operacionais, melhorando o conforto, oferecendo mais lugares para transportar com mais segurança, mais acessibilidade integrada e confiabilidade”, disse.
Ele ainda afirmou que é preciso atender, prioritariamente, os usuários que moram em bairros de “periferia” e tem o transporte coletivo como único meio. “Temos que atender prioritariamente quem mora na periferia, tem renda baixa e utiliza o transporte coletivo como opção de deslocamento. Estamos, com isso, incluindo mais de 60% da população manauara”, enfatizou.
Opinião pública
O Portal O Convergente buscou a opinião pública a respeito da proposta do vereador, e grande parte dos entrevistados criticou o Projeto de Lei. No levantamento feito pela equipe de reportagem, através de questionário, a população não aparenta estar satisfeita com o transporte coletivo em Manaus.
Foi aplicado um questionário contendo seis perguntas: “Com que frequência você anda de ônibus?; Quanto tempo você demora em uma parada de ônibus?; Quantas opções de ônibus você possui próximo da parada da sua casa?; Os ônibus são preservados?; Você acha que deveria ampliar ou reduzir as frotas?”.
O questionário foi aplicado entre pessoas com idade de 20 a 30 anos, que utilizam o transporte público com bastante frequência. O resultado obtido pela equipe de reportagem foi que todos os oito entrevistados criticaram as condições dos ônibus em Manaus. Apenas três pessoas – dos oito entrevistados – destacaram as boas condições dos novos ônibus entregues, mas ressaltaram que não é a realidade de todos.
Em todos os questionários, os entrevistados colocaram que é necessário ampliar a frota de ônibus. Para a administradora Jenice Silva, 21 anos, a proposta não condiz com a realidade da população manauara, que vem crescendo com a chegada de imigrantes, por essa razão, se faz necessária a ampliação.
“Eu pego ônibus, porque eu preciso, não porque eu gosto. As condições não são boas. Agora, a população da cidade cresceu com a chegada dos imigrantes e parece que os ônibus não acompanharam esse crescimento. Só existem duas paradas perto da minha casa, e eu demoro quase 40 minutos para pegar um ônibus e, quando vem, já está lotado. Assim, fica fácil propor a redução quando eles não precisam ficar apertados até o destino final”, disse.
Já o estudante João Vitor Costa, 22, afirmou que acha interessante a ideia de implantar veículos elétricos, mas demonstrou preocupação quanto à redução. “Os transportes elétricos fazem bem para o meio ambiente, mas acredito que a redução faria com que mais pessoas procurassem meios alternativos, então teria mais carros nas ruas, maior emissão de gases e um caos no trânsito. A meu ver, é uma proposta que deve ser discutida com calma”, comentou.
Usuária frequente de transporte público, a pedagoga Larissa Duk, 24, disse que as condições do ônibus que utiliza em seu dia a dia não são nada boas. Ela sai do trabalho no “horário de pico” e precisa esperar cerca de uma hora pelo transporte que, quando chega, não é seguro.
“As cadeiras estão descoladas, o motorista dirige muito rápido, as barras para segurar estão soltas, fora a sujeira. É preciso ampliar e oferecer melhorias em transportes públicos, afinal, são utilizados para que as pessoas tenham acesso ao trabalho e as escolas e demais locais”, afirmou.
Para o educador físico André Normando, 25, a proposta também causa estranhamento. Apesar de comentar que os ônibus elétricos são uma solução para enfrentar impactos ambientais, ele ressaltou a falta de segurança nos transportes. “Até as novas frotas já estão vandalizadas, ônibus que chegaram com ar-condicionado hoje já não funcionam mais, além de estarem sempre sujos e pinchados. É preciso ampliar, assim aumenta as opções, além de dar empregos para os motoristas, cobradores, etc.”, pontuou.
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Por Camila Duarte
Revisão textual: Vanessa Santos
Ilustração: Marcus Reis
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