Com a aposentadoria de Rosa Weber como ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve indicar um novo nome à Corte do Supremo. Desde o início do ano, entidades da área do Direito cobram uma indicação de uma jurista negra para a vaga no Supremo, o que marcaria a entrada de uma mulher negra no STF, o que nunca ocorreu em 132 anos de existência do STF.
Ao longo dos anos, a Corte só teve três ministros negros, todos homens. O último foi Joaquim Barbosa, que se aposentou em 2014. Em março, entidades da área do Direito publicaram uma carta aberta cobrando a indicação de uma mulher negra ao STF. “Nesse momento em que empreendemos a reconstitucionalização do país, emerge a singular oportunidade de supressão da lacuna reveladora da baixa intensidade da democracia brasileira”, afirmava um trecho da carta.
Prestes a se aposentar, Rosa Weber ainda ocupa a cadeira em julgamentos importantes para o futuro do Brasil, como a legalização do aborto e a tese do Marco Temporal, por exemplo. Porém, ainda não há nomes definidos que podem ocupar a cadeira de Weber, mas já existem juristas negras na lista para a vaga no STF.
O Portal O Convergente conversou com duas mulheres negras da área do Direito, que ressaltaram a importância de ter uma ministra negra ocupando a cadeira do Supremo pela primeira vez na história do Brasil.
A advogada, ativista e presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/AM Ana Carolina Amazonas comentou que a ausência de representatividade negra no STF causa um impacto em julgamentos de processos, como o encarceramento da população negra.
“A ausência de representantes negros no STF incomoda, porque reflete nas pautas que são levadas aos julgamentos, na forma como esses processos são julgados. Pouco se discute sobre encarceramento da população negra no STF […] Se tivéssemos mais ministros negros, teríamos uma discussão mais séria em relação ao encarceramento em massa da população negra”, disse.
“É importante que destaquemos que a população negra é maioria nesse país, mas nós somos minoria no quesito representatividade […] Historicamente, no Supremo Tribunal Federal, já passaram 170 ministros ao logo da história nesse tribunal e, pasme, apenas três mulheres brancas”, comentou.
A presidente da Comissão de Igualdade Racial ainda pontuou que a nomeação de uma mulher negra para o cargo pode demonstrar o comprometimento do governo Lula com pautas raciais, no entanto, é importante também falar sobre a igualdade de gênero. “Não podemos pensar no viés racial sem pensar nos recortes de gênero e de classe. Mais representativo do que ter uma mulher branca no STF, é que tenhamos uma mulher negra no STF. Mais representativo do que ter um homem negro no STF, é ter uma mulher negra no STF, porque é uma maioria masculinizada”, afirmou.
Ela ainda afirmou que a pauta muitas vezes é posta como “mimimi”, mas que expõe os argumentos rasos de quem não conhece a luta. “Muita gente acha que é mimimi, que independente da cor, a questão é competência. Mas, são argumentos rasos, argumentos que não têm suporte histórico que demonstra total ignorância e descaso com a pauta racial”, disse.
Para Karla Carvalho, advogada e ativista das causas sociais, a nomeação de uma mulher negra para ocupar a cadeira da Corte no STF é imprescindível, uma vez que a lista é composta por juristas de alta competência.
“A presença de juristas negras no STF é imprescindível para que possamos enxergar a negritude nesse principal espaço de decisão, as juristas integrantes da lista são mulheres da mais alta competência, qualificação e práxis jurídica. Mulheres que desempenham funções jurídico-sociais por anos e de notório saber e conduta ativa no enfrentamento do racismo e desigualdade sociais”, destacou.
De acordo com ela, a sociedade clama por uma mulher negra na vaga do STF e ressalta que esse espaço já deveria ter sido ocupado por mulheres negras. “A população negra é a maioria dos brasileiros, precisamos quebrar com urgência esses paradigmas e grilhões!”, enfatizou.
Ainda, segundo a advogada, é necessário ter essa representatividade para contornar a invisibilidade patriarcal e o racismo. “As mulheres e meninas negras do Brasil precisam dessa representatividade para se enxergarem protagonistas dessa história diversa e plural que sempre passou por apagamentos e invisibilidades patriarcais, racistas e de classe!”, pontuou.
Confira a lista das cotadas para vaga no STF:
Manuellita Hermes – Cursou a faculdade de Direito na Universidade Federal da Bahia. Em pouco tempo, passou no concurso para se tornar advogada da Petrobras e, logo após, ingressou na Advocacia-Geral da União, como Procuradora Federal. Manuellita já conhece bem o STF, uma vez que trabalhou como assessora de Rosa Weber, em 2019. Em 2022 assumiu o cargo de Secretária de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão de Informação da Corte, função que exerceu até março de 2023.
Vera Lúcia Santana Araújo – Experiente na área, Vera foi a primeira mulher a compor uma lista tríplice feita pelo STF para a vaga de juíza substituta do Tribunal Superior Eleitoral, em 2022. Atuando como advogada, já trabalhou com sindicatos, foi coordenadora jurídica do Departamento Nacional de Trânsito, do Detran-DF e atuou no Ministério da Justiça em 1986 com direitos dos migrantes. Um dos destaques na carreira foi quando assumiu a diretoria de projetos da Fundação Cultural Palmares e participou do grupo que regulamentou terras quilombolas no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Adriana Cruz – Juíza de 53 anos, é graduada em direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em direito pela PUC-Rio, doutora em direito penal pela UERJ e professora na mesma matéria na PUC-Rio. Atualmente, ocupa o cargo de secretaria-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sendo a primeira mulher negra a alcançar o posto.
Soraia Mendes – Natural de Porto Alegre, além de jurista, é advogada e professora. O nome dela já é conhecido no STF, pois, em 2021, foi defendido por 130 organizações que Soraia ocupasse um lugar na Corte. Na época, o então presidente Jair Bolsonaro nomeou André Mendonça.
Lívia Vaz – Formada em Direito pela Universidade Federal da Bahia, fez o doutorado na Universidade de Direito de Lisboa, em Portugal, onde pesquisou o direito fundamental à igualdade racial. É autora de dois livro, sendo um deles o “A Justiça é a Mulher Negra” e é cofundadora do Juristas Negras.
Lucineia Rosa dos Santos – Advogada e professora titular do curso de Direito da PUC-SP. Quando aluna, teve dificuldades para encontrar estágios por conta da questão racial, que é combatida por ela nos dias atuais. Integra o grupo Prerrogativas e é colaboradora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades e compõe o Conselho da Fundação Padre Anchieta.
Mônica de Melo – Advogada e funcionária da Defensoria Pública de São Paulo, fez parte do primeiro gabinete de defensores que organizou o funcionamento da instituição em São Paulo. Atualmente, trabalha na área de execução criminal e foi responsável por redigir a proposta de criação do núcleo de direitos das mulheres na Defensoria Pública de SP.